Quando se criam hábitos de corrida, para atingir objetivos ou apenas por motivação individual, independentemente do nível competitivo, é comum haver um plano de treino.

Para além dos clubes ou associações desportivas, que têm, por norma, pelo menos um treinador encarregue de planear o treino dos atletas, existem também projetos que prestam assessoria desportiva na área da corrida. Nestes é prestado um acompanhamento técnico de forma individual, independentemente do nível competitivo ou dos objetivos a que o corredor se propõe.
Qualquer uma destas situações é uma ótima opção para gerir os treinos de corrida. Para além de se poupar tempo num planeamento que pode não ser eficaz, é motivador ter alguém especializado na área que irá pensar na melhor estratégia de potenciar a forma física do corredor e, ao mesmo tempo, minimizar o risco de ocorrência de lesões.

Princípios a ter em conta antes do planeamento

Quando o corredor opta por criar o seu próprio plano de treino deverá ter em consideração alguns aspetos:

1. Princípio da individualização – o processo de treino é um processo de adaptação individualizado, obtendo resultados diferentes de pessoa para pessoa e de atividade para atividade. Logo, o plano de treino deve ser feito de acordo com o estado físico atual do indivíduo, a sua disponibilidade para treinar e tendo em vista o objetivo que pretende atingir.

2. Princípios da continuidade e reversibilidade – para que se processem adaptações que conduzam a uma melhoria da capacidade física é necessário que os estímulos fornecidos ao organismo, através do treino, aconteçam de forma regular e repetida. A obrigatoriedade da continuidade do processo de treino deve-se a um processo denominado “super-compensação”, que consiste no aumento de uma determinada capacidade (em relação ao nível anterior ao estímulo), após um período de recuperação. As modificações induzidas pelo treino são transitórias ou passageiras. A interrupção do processo de treino provoca reversão dos efeitos obtidos ao longo do tempo. Se não houver continuidade e deixarmos o fenómeno de super-compensação regredir, perdemos os benefícios do treino anterior.

3. Princípio da progressão ou sobrecarga – para que haja modificações no organismo, de forma a melhorar o desempenho, tem de haver níveis de atividade não habituais, ou seja, os estímulos devem ser superiores à capacidade do indivíduo num determinado momento, constituindo-se assim como uma sobrecarga – carga acima do normal. O corpo, quando submetido ao exercício, reage em três fases – desgaste (a aplicação de carga reduz a capacidade funcional para níveis inferiores aos iniciais, o que leva a que no final do treino o praticante se sinta cansado), recuperação (após a sessão de treino, inicia-se a recuperação do organismo, para a qual são determinantes os contributos do repouso e alimentação) e super-compensação (o organismo não se limita a repor as energias despendidas no treino, mas atinge um nível de capacidade funcional superior ao inicial, como que prevenindo-se contra “agressões” do mesmo tipo). A fase “super-compensatória” deve, normalmente, aproveitar-se para a aplicação de um novo estímulo que pode e deve ser mais intenso. A super-compensação permite assim que a “carga de treino” aumente progressivamente e, com ela, a capacidade física. Se se mantiver inalterada a carga de treino, chegamos a um ponto em que o esforço que realizamos já não é suficiente para provocar novas adaptações (porque o nosso organismo já se adaptou a ele) e deixamos de evoluir.

Como estruturar um plano apropriado para obter o melhor rendimento

Tendo presente os princípios referidos, o corredor deve idealizar o seu plano de treino começando por definir o período compreendido entre o início do processo de treino e a data (concreta ou prevista) para atingir o seu objetivo. A esse período chamamos “macrociclo”.

É conveniente registar sempre o plano de treino (em papel ou formato digital).

 

Meses (Mesociclos) Dezembro Janeiro Fevereiro Março Abril
Dias 2 9 16 23 30 6 13 20 27 3 10 17 24 2 9 16 23 30 6 13 20
8 15 22 29 5 12 19 26 2 9 16 23 1 8 15 22 29 5 12 19 26
Semana (Microciclo) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21
Período Preparação Geral Preparação Específica

 

Com este quadro é possível ficar com uma visão geral de todo o planeamento. É possível assinalar as datas de competições, avaliações, exames médicos ou outro tipo de tarefa que seja considerada importante no percurso com vista a atingir o objetivo (por exemplo, uma competição).

Um macrociclo divide-se em mesociclos (conjunto de 4 semanas, correspondente a um mês aproximadamente) e cada mesociclo divide-se em microciclos (período correspondente a uma semana).

 

Exemplo de um microciclo

 

Segunda Terça Quarta Quinta Sexta Sábado Domingo
Corrida 30 minutos + Exercícios de alongamentos Treino de Força e Mobilidade Descanso Corrida 30 minutos + Exercícios de alongamentos Treino de Força e Mobilidade Descanso Treino de Técnica de Corrida

 

O ideal é começar sempre pelo mais fácil e aumentar a dificuldade de forma progressiva e lenta. Nas primeiras semanas deve optar-se por fazer trabalho mais geral e, à medida que se aproxima a data prevista para atingir o objetivo, fazer trabalho mais adequado à especificidade do desafio. Pode ser variável o número de sessões de treino semanais, a duração e a intensidade das mesmas.

Exemplo:

1ª – 4ª Semana

2 sessões de corrida por semana, com a duração de 20 minutos a ritmo lento

5ª – 8ª Semana

3 sessões de corrida por semana, com a duração de 30 minutos a ritmo lento

9ª – 12ª Semana

2 sessões de corrida por semana, com a duração de 30 minutos a ritmo lento

1 sessão de corrida por semana, com a duração de 30 minutos a ritmo mais rápido

 

É recomendável monitorizar e registar os treinos realizados através de um relógio (com GPS) ou numa aplicação do smartphone, pois os dados recolhidos permitem avaliar o resultado do trabalho e, se for caso disso, alterar o plano para que seja mais eficaz.

 

Em suma, um plano de treino deverá ser individualizado e construído de acordo com a condição física do atleta, com a disponibilidade para treinar e com os meios disponíveis para o processo de treino. Deve partir-se de um patamar fácil e, de forma lenta e progressiva, aumentar a dificuldade. Os treinos de corrida deverão sempre complementar-se com exercícios de força, de mobilidade, de alongamento e técnicas de corrida.

 

Artigo escrito para Vida Ativa, publicado a 23 junho 2020.

Pode aceder ao artigo original em: https://www.vidaativa.pt/plano-de-treino-de-corrida/